
Hoje, através de mão amiga que me fêz chegar o texto, quero aqui colocá-lo, pois que ele é da autoria de um Irmão muito próximo, Frei Isidro Lamelas, sacerdote e frade franciscano. Acerca deste tempo que vivemos: tempo que se diz de “férias” e se pretende que seja de descanso.
Mas será que o aproveitamos bem?
Aqui vai o texto:
“Férias: saber perder tempo"
Para tudo há um tempo debaixo dos céus:
Tempo para nascer e tempo para morrer,
Tempo para procurar e tempo para perder,
Tempo para guardar e tempo para deitar fora" (Ecle 3, 1.6).
Em tempo de férias é sempre oportuno reflectirmos sobre o bem mais precioso
da nossa vida: o tempo.
Perguntem ao estudante que reprovou, quanto vale um ano! Perguntem à mãe que
teve o bebé prematuro, quanto vale um mês! Perguntem aos namorados que não
se viam há muito, o valor de uma hora! Para perceber o valor de um minuto,
perguntem ao passageiro que perdeu o avião! Para perceber o valor de um
segundo, perguntem a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente!
Assim nos mostra a vida como é precioso cada ano, cada dia, cada hora ou
fracção de tempo. Será por isso que se diz que "o tempo é dinheiro"? Ou será
que o tempo, como a moeda, se vai desvalorizando na nossa vida cronometrada
do dia-a-dia? E, no entanto, Deus dá-nos todo o tempo do mundo de graça.
Todo o tempo deste mundo: o cronos e o káiros, o tempo medido e o tempo
vivido.
Os antigos consideravam que a verdadeira ocupação do homem era o ócio e não
os negócios. Os monges tentaram manter vivo este ideal do homem ciente da
sua vocação: não fomos criados para trabalhar, mas para louvar o criador;
estamos neste mundo não para explorar a terra, mas para cuidar do jardim da
criação. Ora et labora foi a fórmula de equilíbrio encontrada pelos mestres
espirituais que sempre consideraram o ócio e a contemplação tão importantes
como o trabalho.
Na escola, na família e na sociedade preparam-nos para o trabalho, mas não
nos preparam para o ócio nem nos ensinam a saber "perder tempo". Não nos
faltam meios e propostas para matarmos o tempo, em vez de nos ensinarem a
arte de vivê-lo com sabedoria: uns matam o tempo diante do televisor, outros
"ocupando os tempos livres" para que nunca estejam livres; outros em
actividades radicais, para que nunca cheguem à raiz das coisas e dos
problemas... Matamos o tempo para não nos cruzarmos com a morte, e fugimos à
morte para não nos encontrarmos com a vida.
Passamos a vida a correr contra o tempo, a lamentarmo-nos que "não temos
tempo", quando afinal o tempo só nos foge porque nós corremos contra ele.
Construímos vias rápidas e máquinas velozes para ganhar tempo, mas é o tempo
que foge e passa depressa sem nos permitir contemplarmos a paisagem de cada
dia e saborear as paragens que a vida nos proporciona. Tornamo-nos escravos
do relógio e cada vez sabemos menos "a quantas andamos". Na ilusão de
corrermos contra o tempo estamos a correr contra nós, pois não vivendo
realmente, acabamos por queimar o tempo e a vida.
Como é difícil valorizar o tempo presente que Deus nos dá, vivendo o ritmo
quotidiano da vida. Os mais velhos continuam a sonhar com o passado sempre
"muito melhor" (no meu tempo é que era bom!), enquanto os mais jovens vivem
obcecados com o futuro. Vamos assim contando os dias e os anos sem vivermos
cada momento e cada dia: uns sempre atrasados ou desactualizados, outros tão
avançados que parecem viver noutro planeta e fuso horário.
Necessitamos de reaprender a arte do ócio, de dar tempo a nós mesmos, à
família, aos amigos. Precisamos de perder tempo com coisas "inúteis":
pararmos a admirar o mistério do amanhecer, saborear a brisa da madrugada
que nos fala de Deus, escutar a polifonia dos pássaros que cantam sem
contrato, ouvir o silêncio das criaturas e decifrar as mensagens das
estrelas...
O tempo de férias constitui uma ocasião propícia para acertarmos a vida pelo
relógio do sol e pelo ritmo das criaturas. É o tempo em que podemos tapar os
ouvidos ao bater das horas, para escutarmos mais as batidas do coração.
Longe de ser um tempo para "passar" ou mal gasto, as férias deveriam ser o
tempo bem empregue: onde conseguimos arranjar agenda para nós e para os
outros; onde redescobrirmos que o dinheiro não é tudo, que as melhores
coisas da vida não se compram, pois são grátis, são graça. Longe de ser um
tempo de evasão, as férias deveriam ser tempo de encontro, de reflexão, de
avaliação; deveriam ser uma ocasião para passarmos do tempo de fazer (ter
que fazer), para o tempo de viver, o tempo de experiência da autenticidade e
da criatividade; Uma oportunidade para transitarmos das evasivas utopias da
máquina do tempo para voltarmos a "ter tempo" e a vivê-lo com magia e
fantasia infantil.
Quem dera que pelo menos as nossas férias fossem um tempo da experiência
compartilhada com o outro, tempo favorável ao encontro, tempo cheio de
significados. Como tão bem observou Marcel Proust: "Uma hora não é uma hora,
é um vaso cheio de perfumes, sons, projectos e climas". Uma vida não é vida
se não for assim: cheia de perfumes, sons, projectos e climas. Pois, afinal,
a vida não é o tempo e os anos que vamos contando, mas uma história de
tempos, lugares e encontros cheios de tudo isso.
Dizia a raposa ao Princepezinho, "foi o tempo que perdeste com tua rosa que
fez tua rosa tão importante". Porque esta continua a ser uma verdade
esquecida entre os humanos, é importante que haja quem saiba e ensine a
"perder tempo" com o mais importante. E o mais importante continua a ser
"criar laços" e "deixar-se cativar".
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