Dies Domini

Sartre escolheu o absurdo, o nada e eu escolhi o Mistério - Jean Guitton

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Localização: Lisboa, Reino Portugal Padroeira: Nª Srª Conceição, Portugal

Monárquico e Católico. intransigente defensor do papel interventor do Estado na sociedade. Adversário dos anticlericais saudosos da I República, e de "alternativos" defensores de teses “fracturantes”. Considera que é tempo, nesta terra de Santa Maria, de quebrar as amarras do ateísmo do positivismo e do cientismo substitutivo da Religião. Monárquico, pois não aliena a ninguém as suas convicções. Aliás, Portugal construiu a sua extraordinária História à sombra da Monarquia. Admira, sem complexos, a obra de fomento do Estado Novo. Lamenta a perda do Império, tal como ocorreu.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O estado a que o nosso Estado chegou! Análise lúcida de São José Almeida.

Parafraseando o "capitão de Abril" Salgueiro Maia, gritarei também: o estado a que "isto" chegou!

Leia-se o lúcido artigo da jornalista São José Almeida, publicado no Jornal "O Público" deste último Sábado, 20 Fevereiro do Ano da Graça de 2010.


" Os cadáveres adiados

O desemprego em Portugal atingiu, em 2009, os 9,5 por cento e mesmo os 10,1 por cento no último trimestre. Os números não são novidade, mas têm o peso da confirmação oficial feita pelo Instituto Nacional de Estatísticas de uma realidade que é grave. E a importância desta confirmação é tanto maior quanto, de acordo com o discurso do poder político e económico, tudo parece estar no melhor dos mundos em Portugal. Como se a crise internacional fosse uma invenção e a situação de degradação económica, social e financeira portuguesa fosse uma alucinação. Ou, seja, o discurso do poder faz de conta que tudo está no bom caminho, que tudo não passou de mais uma pequena constipação já curada. E vai adiando o estado moribundo em que se encontra a falência do modelo socioeconómico de desenvolvimento que tem sido implantado em Portugal nas últimas décadas.

Perante a situação do país, praticamente ninguém discute nada do que é realmente importante. O principal partido da oposição entra em processo electivo de direcção, mas, até agora, dos candidatos só Pedro Passos Coelho apresentou ideias para o país. Já o PS parece mais preocupado em que o seu líder não seja questionado e em unir-se, numa reacção típica de quem quer o poder pelo poder e tem medo de o perder. E demonstra uma incapacidade absoluta de crítica e de autocrítica, de debater o caminho a seguir neste fim de ciclo que se vive.

Há uns dias, em conversa com uma personalidade de topo da vida política portuguesa, esta, visivelmente preocupada e indignada, questionava-se sobre qual a razão por que ninguém assume publicamente a verdade e diz, preto no branco, que “a iniciativa privada falhou”? Esta afirmação parece uma heresia em relação ao discurso político vulgarmente ouvido em Portugal, mas era importante que a classe política e as aristocracias do poder político e económico começassem a assumir que faliu o projecto de sociedade, o modelo económico que foi ensaiado e construído no pós-25 de Abril, sobretudo, desde o cavaquismo. Um projecto político subsidiário das teses neoliberais, que campearam nas democracias ocidentais – e não só nas democracias – e que se entretiveram a desconstruir muitas das estruturas do Estado Social, entregando à criatividade da “iniciativa privada” e à sacrossanta liberdade de mercado as rédeas da condução do desenvolvimento económico.

A verdade é que as empresas lucraram, os lucros ajudaram a enriquecer uns quantos aristocratas do sistema e a criar uma sociedade que continua a ser a mais desigual da Europa no que toca à redistribuição da riqueza e do rendimento. E o parco, magro e jovem Estado Social que existia em Portugal foi debilitado e ficando cada vez mais anémico. O Serviço Nacional de Saúde foi emagrecido e muitos dos seus serviços são hoje garantidos pelo sector privado, transformado o direito à saúde no negócio da saúde. Os médicos foram atirados para fora dos hospitais públicos. Os serviços foram fechados. As listas de espera foram crescendo. Os grandes grupos económicos foram autorizados a entrar no negócio da saúde, abrindo novos hospitais, que acabam por se substituir ao Estado. E a quem este, através do Orçamento, paga os serviços que outrora eram prestados pelo SNS. Mais, perante o colapso do SNS, os cidadãos são estimulados a fazerem seguros de saúde, que alimentam o negócio da saúde privada, mas que duram só até aos 65 anos, enquanto, teoricamente, o negócio é lucrativo para as seguradoras.

O direito ao lazer e a ver recompensada uma vida de trabalho, o direito a usufruir na velhice de uma redistribuição da riqueza que se ajudou a construir, foi alterado e na prática diminuído, com uma reforma do sistema de Segurança Social, que prolonga o tempo de trabalho e diminui os benefícios dos reformados em nome de critérios que privilegiam o benefício das empresas e do seu lucro, em detrimento do bem-estar das pessoas.

O sistema público de ensino foi atacado de uma forma inusitada, destruindo-se a imagem pública do professor, que foi transformado numa espécie de incapaz, responsável pelo falhanço crónico do melhoramento dos níveis de aproveitamento. As opções de escolha dos pais quanto à educação dos seus filhos foram assim condicionadas e estes empurrados para as escolas privadas. E a lógica privatizadora levou mesmo à cedência a uma empresa pública da propriedade dos edifícios das escolas públicas. É certo que, por enquanto, continuam propriedade do Estado, mas foi aberta a porta que facilita a privatização dos edifícios e dos terrenos.

A Justiça, essa, é mantida a derrapar. Sem que se mexa de facto no sector. As mudanças são cosméticas, mas sem melhorar as condições materiais e sem garantir mais magistrados, que permitam acelerar o lentíssimo tempo do processo judicial em Portugal. Até porque a Justiça lenta facilita o alastrar da corrupção e do clientelismo e do compadrio político que nascem e se alimentam no mundo do facilitismo da livre iniciativa e da liberdade de mercado. E assim o país foi andado durante décadas, vivendo da aparência do desenvolvimento e na ilusão da contenção do défice, mas sem investir realmente num desenvolvimento económico integrado e sustentável.

O que é mais grave é que, perante o falhanço a nível global de um modelo que urge ser alterado, pois não responde ao interesse das pessoas e não promove o bem-estar nem a justiça social, em Portugal os detentores do poder não falam disso. Antes assistimos à degradação do sistema político, à descredibilização pública dos políticos e à ampliação e reprodução da imagem de que os poderosos são promíscuos. Ou seja, perante o ignorar de uma crise que arrasta um cadáver adiado de um modelo de desenvolvimento económico e social que implodiu, vemos uma classe política a tentar fazer acreditar – não se sabe se aos cidadãos, se a si mesma – que têm vida e futuro uma atitude e uma concepção perante a vida pública e a gestão de Estado que estão mortas e enterradas e que são, ela também, outros cadáveres adiados. "

São José Almeida“Público”, 20 Fev 2010. Com a devida vénia.
Nota: na imagem - Pompeia, último dia, Agosto do Ano 79 d. C.

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

EXCELENTE artigo, este de São José de Almeida. Subscrevo!
P.Rufino

terça-feira, fevereiro 23, 2010  
Blogger C.M. said...

Sem dúvida, com efeito. Análise "impiedosa" e certeira.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010  

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